OUVIDORIA DO MAR
Posicionamento da Ouvidoria do Mar em relação às propostas de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) e Monumento Natural (MONA) nas regiões do Arquipélago São Pedro e São Paulo e do Arquipélago de Trindade e Martin Vaz.
05 de fevereiro de 2018
Como coletivo, apoiamos a criação das novas unidades de conservação marinhas propostas (APA e MONA do Arquipélago São Pedro e São Paulo e APA e MONA do Arquipélago de Trindade e Martin Vaz), considerando que esse instrumento de gestão do espaço marinho pode garantir a conservação da biodiversidade dentro e fora dos seus limites, particularmente às áreas de proteção integral, fechadas à pesca, como os Monumentos Naturais. A Ouvidoria entende que essa categoria pode auxiliar na recuperação de estoques pesqueiros, a manutenção de habitats sensíveis, proteção de espécies raras, endêmicas, migratórias ou ameaçadas de extinção. Esforços neste sentido são relevantes e benéficos aos ambientes insulares em questão.
O que está em jogo
É sabido que as atividades pesqueiras que ocorrem no entorno destas ilhas já causaram sério declínio nas populações de tubarões, assim como a redução da população de outras espécies de peixes com alta relevância funcional no ambiente (Luiz & Edwards 2011, Pinheiro & Joyeux, 2015). Além disso, existe pressão na região para mineração marinha, sabendo-se da ocorrência de sulfetos polimetálicos no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, e de nódulos polimetálicos e crostas cobaltíferas na região da Ilha da Trindade (Cadeia Vitória - Trindade), de alto valor econômico (Plano Setorial para os Recursos do Mar - PSRM, DOU 23 Novembro 2016, seção 1 página 3). Entendemos também que, caso as propostas avancem sem o estabelecimento de áreas de proteção integral propostas (proibindo TODOS os tipos de mineração), poucos resultados que contribuam com os objetivos de conservação serão obtidos. Adicionalmente, consideramos fundamental que as áreas de uso sustentável já tenham explicitados em seus decretos de criação a proibição/restrição de atividades exploratórias danosas ao ambiente marinho, particularmente a mineração e o combate à pesca irregular, não regulamentada e não reportada. Finalmente, vale ressaltar a importância de que seja incluído
no referido decreto de criação um prazo factível para a aprovação do plano de manejo, pois sem ele, a área de uso sustentável, não apresenta regras de manejo suficientemente claras que possam contribuir para a conservação dos ecossistemas.
A criação destas unidades de conservação, desde que representativas e efetivamente protegidas, configura ação relacionada às metas de conservação para os oceanos assumidas pelo governo brasileiro até 2020, a saber, a meta de Aichi número 11 (com grifo nosso): “Até 2020, pelo menos 17 por cento de áreas terrestres e de águas continentais e 10 por cento de áreas marinhas e costeiras, especialmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, terão sido conservados por meio de sistemas de áreas protegidas geridas de maneira efetiva e equitativa, ecologicamente representativas e satisfatoriamente interligadas e por outras medidas espaciais de conservação, e integradas em paisagens terrestres e marinhas mais amplas”.
Proteção de ecossistemas marinhos
Considerando as premissas determinadas na meta 11 de Aichi, entendemos que, sob a ótica da representatividade ecológica, mesmo que as áreas marinhas protegidas no país passem de cerca de 1,5% de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE) para quase 25% com a criação das quatro novas unidades de conservação, o governo deve continuar a empreender esforços para a criação e implementação de áreas costeiras e marinhas protegidas que permitam atingir a meta de 10% de representatividade dos ecossistemas. Por exemplo, a eventual proteção das áreas oceânicas ainda deixa lacunas na salvaguarda de ambientes costeiros e marinhos rasos, como os recifes coralíneos, dunas, restingas e manguezais, bastante sensíveis às atividades antrópicas, mudanças climáticas e, portanto, para os quais será necessária reforçar a combinação de políticas de proteção (ex., áreas sem pesca) com programas de reconhecimento de acordos de pesca e gestão comunitária local em reconhecimento aos territórios pesqueiros.
Reiteramos também ser fundamental que o governo utilize ferramentas de planejamento sistemático de conservação no processo de criação de novas áreas protegidas, o que inclui uma abordagem interdisciplinar para definição das áreas representativas dos ecossistemas, zoneamentos e monitoramento, com metas, objetivos e alvos de conservação específicos.
Existem diversos estudos nessa temática já realizados no país que podem auxiliar esse processo (e.g., Magris et al. 2017, Vilar et al. 2015, Vila-Nova et al. 2015, Teixeira et al. 2017). Além disso, a efetividade de áreas marinhas protegidas, novas e antigas, demandam uma gestão integrada do espaço costeiro/marinho que englobe tanto os processos ecológicos quanto sociais (e.g., planejamento do espaço marinho que incorpore a representatividade
ecológica e metas de conservação com outros usos sustentáveis), a avaliação cumulativa de impactos na zona costeira/marinha e a urgente retomada da gestão pesqueira no país.
Compatibilização com a pesca sustentável
Referente ao setor pesqueiro, cabe ressaltar ainda a importância de participação social e acesso à informação para as comunidades pesqueiras, incluindo consultas populares e esclarecimentos quanto aos objetivos de criação e de ordenamento das atividades de uso sustentável nas Áreas de Proteção Ambiental propostas. Esta demanda é ainda maior no entorno do Arquipélago de São Pedro e São Paulo onde há pescaria conhecidas, que demandam gestão compartilhada dos estoques.
Investimento real em comando e controle é imperativo
Finalmente, é importante que o governo, no ato de criação das unidades de conservação, através de seus respectivos Ministérios, possa garantir instrumentos de comando e controle, bem como recursos humanos, materiais e dotação orçamentária suficientes para honrar esse compromisso de proteger a Zona Econômica Exclusiva mais oriental e oceânica do território brasileiro.
A criação de áreas marinhas protegidas é um processo político e, portanto, deve ser conduzido com absoluta transparência. Preocupa-nos o regime de urgência com o qual esta iniciativa se configurou, no apagar das luzes de um governo federal que compartilha de baixíssima legitimidade e apoio popular. Já temos no Brasil um grande acúmulo de experiências negativas com processos de criação de áreas marinhas protegidas mal conduzidos, onde todas as partes saem frustradas como decorrência de processos de negociação pouco transparentes e/ou transfigurados para atender a urgência e o casuísmo. A tentativa de criar UCs marinhas em Abrolhos em 2012 ainda vive na memória do cidadão brasileiro defensor da vida marinha, trazendo feridas que devem ser transformadas em aprendizado. Portanto, ressaltamos que o apoio do coletivo Ouvidoria do Mar é condicional aos termos expressos acima no que concerne à efetiva salvaguarda da biodiversidade e a compatibilização com atividades de pesca em áreas onde se possa assegurar o devido controle e monitoramento.